Review: Ready or Not e o inferno em um apartamento de 40m²

Ao abrir a porta lentamente, a tensão é palpável. Olhei para o espelho, verifiquei cada canto e respirei fundo, como qualquer manual recomendaria. Do outro lado, só um ambiente desolador: uma mesa caída, uma parede rachada e um eco que ecoava na minha cabeça. Três segundos depois, um apito inesperado rompe o silêncio. Ufa, era apenas o tutorial.

Sim, Ready or Not vem com um tutorial. E é bem completo, cheio de placas explicativas e salas de simulação. Mas não se engane, a experiência é como empurrar alguém na piscina e esperar que ele aprenda a nadar. Com tantos comandos, decorar tudo no início é uma missão complicada. A gente aprende sob pressão, levando tiros, vendo os amigos caírem por um grito mal feito.

No PS5, essa pressão se torna quase palpável. O controle DualSense traz uma sensação diferente, transformando apreensão em feedback real. O L2 parece provocar um frio na barriga, enquanto o R2 é como um veredito final. O som 3D joga vozes atrás das paredes, passos no andar de cima e até um suspiro no banheiro ao lado. A tensão é tudo, e parece bem verdadeira.

No entanto, a versão para consoles vem com alguns cortes. Tem sangue, sim, mas bem menos. Desmembramentos agora são bem tímidos e só acontecem se o inimigo ainda estiver vivo. A missão com a garota em crise? Alterada. Agora, ela dorme tranquilamente. Para se adaptar às regras da Sony e da Microsoft, o jogo precisou suavizar algumas partes, o que significa que até o conteúdo do PC também recebeu essas mudanças. É um jogo sobre brutalidade que, para existir, teve que lidar com suas próprias dores.

Mas, mesmo assim, você entra no ambiente, acende a lanterna, grita “mãos pra cima!” e torce para que ninguém responda. O problema é que, na maior parte das vezes, eles reagem. E você nunca é o mais rápido do grupo.

Sobre o que é isso aqui, afinal?

Se você lembra da série S.W.A.T., é um sinal de que já viu que a polícia não é feita apenas de heróis. E se não lembra, tudo bem. Ready or Not vai te ensinar de um jeito bem impactante.

Sendo direto: esse não é um jogo em que a missão é salvar reféns com frases de efeito. É sobre gritar “mãos pra cima!” para um homem desarmado e atirar no calor do momento porque ele se mexeu. É adentrar uma creche abandonada e se deparar com uma bomba. Ou decidir se vai abrir a porta devagar ou arrebentar tudo. Ambas as opções podem resultar em caos. O que muda é apenas o número de feridos e mortos.

O jogo é sobre intervir em lugares quebrados, sabendo que você pode piorar tudo.

Basicamente, você comanda uma unidade tática, uma SWAT, da cidade fictícia de Los Sueños, que reflete uma Los Angeles marcada pela corrupção e desesperança. Sua missão? Enfrentar problemas como seitas apocalípticas, pornografia infantil e atentados. Tudo isso em uma estética que é clara, fria e direta.

A atmosfera é densa. Sem trilha sonora desnecessária. Somente as ordens no rádio e seu próprio fôlego dentro da máscara de gás. Não é um jogo para sair disparando. É um jogo que explora o risco de causar danos à pessoa errada. Cada decisão conta, cada erro tem uma consequência grave. Às vezes, você perde um membro da equipe; outras, um civil. E a pressão sobre você e seu grupo só aumenta a cada missão.

Ready or Not se revela um simulador de tensão moral disfarçado de FPS tático. O desafio de lidar com essa realidade é real e intenso.

A experiência no videogame: o tiroteio corre liso

É curioso falar em fluidez quando o jogo impõe que você se mova como se carregasse um fardo enorme. Mas Ready or Not funciona bem no PS5, deslizando como sangue em cerâmica.

Os carregamentos são rápidos e entrar numa missão é quase instantâneo. Durante o jogo, não percebi travamentos ou engasgos, muito menos com toda a fumaça e explosões acontecendo. A experiência é bastante suave.

No multiplayer, a performance foi igualmente consistente. Testei com outros quatro jogadores gritando ordens, chutando portas e jogando granadas em lugares errados. E nada quebrou — nem meu controle.

Falando nele, o DualSense é um aliado. Os gatilhos adaptativos oferecem resistência ao segurar uma arma pesada. O feedback tátil muda com cada explosão e disparo. Até a lanterna vibra sutilmente ao ser ligada. Cada decisão parece intensa, quase palpável.

O áudio 3D é incrível. Você consegue ouvir alguém tossindo no andar de cima, saber de onde vem um passo e até perceber que alguém está lutando com uma arma atrás daquela porta — e tudo isso sem nenhum HUD para te ajudar, apenas o som e seu instinto.

Graficamente, Ready or Not no PS5 não é um dos jogos mais bonitos, mas o realismo está na sua atmosfera. A sujeira, o desgaste dos ambientes falam mais alto que qualquer efeito de última geração.

No fim, o que mais impressiona é a coerência do design. Tudo parece prestes a desmoronar, e o console consegue manter essa tensão que já era sentida no PC.

A roda que decide quem vive

No PC, você aponta e clica. No PS5, você pode acabar matando um civil por segurar o botão errado.

A adaptação de Ready or Not para o controle é uma dança delicada. Cada comando é crucial, mas nem tudo pode ser facilmente acessado. A solução? Uma roda de ordens que parece simples, mas na prática é complicada de usar— especialmente em momentos de adrenalina.

No calor do combate, isso pode ser frustrante. A curva de aprendizado é mais um paredão do que um gradual. Tentar selecionar a opção de “flashbang pela direita” enquanto alguém grita do outro lado da porta é como escolher um tempero durante um incêndio. Você sabe o que fazer, mas o controle teima em não colaborar.

Às vezes, o jogo entende errado; você pode acabar mirando no comando errado e abrir uma porta errada. É tudo uma questão de pressão e adrenalina. Mas, depois de algumas tentativas, você acaba aprendendo a respeitar a intensidade dos comandos, dado que suas escolhas têm consequências reais.

Remapear os botões ajuda, mas o dilema continua: você está controlando uma equipe de elite… com um controle que vibra ao erro. E acredite, você vai errar.

Contudo, existe um prazer em vencer essa resistência. Dar a ordem certa. Abrir a porta na hora certa. Quando tudo flui, você se sente inteligente. Quando dá errado, o silêncio no menu é constrangedor.

Missões e mapas: toda porta esconde um inferno

Ready or Not não tem apenas fases, mas armadilhas disfarçadas. Vinte missões que se escondem em restaurantes, apartamentos abandonados, lojas de conveniência e casas que lembram um massacre. Você entra acreditando que vai resolver algo, mas acaba saindo pedindo desculpas ao corpo errado.

As missões são sombrias e sufocantes, desenhadas para punir qualquer descuido. Luzes piscam, televisores ligam sozinhos e passos são ouvidos onde não deveriam.

A variedade é boa, mas a tensão é constante. Mapas como “Hunger Strike” e “Stolen Valor” são um estudo sobre claustrofobia. Sem lanterna, andar se torna arriscado, como cavar a própria cova.

As novidades no console incluem ambientes remasterizados, agora com histórias envolventes em cada canto. Você não tem uma narrativa linear, mas cada sala conta uma história: uma foto rasgada, um desenho abandonado. Na maioria das vezes, essas histórias têm um final trágico.

Ready or Not entende que o verdadeiro terror não vem somente dos tiroteios, mas do suspense que dá vida a cada canto. Quando você percebe que seu papel é interromper essas narrativas com gás lacrimogêneo e uma arma na mão, começa a refletir sobre quem realmente é o monstro ali.

Censura sob colete

A versão para consoles é quase idêntica ao PC, mas não totalmente. Por exigências da Sony e da Microsoft, Ready or Not teve que moderar a sua brutalidade. As cenas de violência continuam, mas tudo foi calibrado. O desmembramento agora só acontece com alvos vivos. Os que já caíram se tornam intocáveis.

E a missão Twisted Nerve? Antes, havia uma garota em crise. Agora, simplesmente dorme. O horror foi suavizado para atender às exigências do mercado.

Não podemos colocar toda a culpa na Void Interactive, já que eles deixaram claro que se não fizessem essas edições, o jogo não chegaria aos consoles. Mas a revolta na comunidade foi grande, uma vez que até para os jogadores de PC houve mudanças.

O crossplay também exigiu que o conteúdo fosse padronizado. Resultado: até o PC recebeu essa poda.

O paradoxo é cruel: um jogo que busca mostrar a realidade urbana agora edita sua própria feiura para caber num mercado que lucra com a violência, mas não com suas consequências.

Embora isso não estrague a experiência, enfraquece o impacto. Onde havia uma verdadeira saraivada, agora temos um leve toque. E isso pode fazer com que muitos busquem mods para voltar ao espírito original.

Ainda dá pra entrar com a arma na mão e tomar decisões rápidas, mas algo fundamental foi podado. Algo que trazia a essência de Ready or Not.

Uso de IA, bugs e realismo

Se você gritar “mãos pra cima” em um banheiro vazio por três minutos, pode ser um problema da IA… ou seu.

Em Ready or Not, a linha entre bug e realidade é tênue. Os inimigos têm comportamento imprevisível, armam emboscadas e se escondem em lugares inesperados. Às vezes, eles desaparecem, e você entra numa dança de esconde-esconde mortal.

Você avança lentamente pelo mapa, repetindo “hands up!” como um louco. Não é por prazer, mas pela urgência de garantir que o último suspeito não esteja esperando o momento certo para agir. E, frequentemente, ele está.

Os aliados também têm suas falhas. Eles podem seguir ordens de maneira um tanto desajeitada. Às vezes, parecem parados em um canto enquanto você é atingido. Mas, em outros momentos, surpreendem com ações certeiras e desempenhos rápidos.

O realismo do jogo é intenso, uma combinação de falhas propositais e acidentais. A IA não é perfeita, e isso transforma cada missão em um jogo de azar: ou você controla o caos, ou é engolido por ele.

Quando tudo dá errado, com sua equipe caindo um por um, o jogo não te consola. Apenas te mostra a repetição do que ocorreu. E, ao assisti-la, você percebe que o erro foi seu: a pressa, o reflexo, o comando ou simplesmente a falta de paciência.

O inferno em equipe

Sozinho, Ready or Not é um pesadelo sob controle. Com outras quatro pessoas, é como um teatro caótico onde ninguém sabe as falas.

No PS5, o matchmaking é uma verdadeira roleta. Você entra na sala, espera e torce. Quando alguém conecta, é um impulso direto para qualquer missão — sem planejamento ou estratégia. Você depende dos desconhecidos que, muitas vezes, só querem fazer barulho e arrebentar a primeira porta.

Aí, a realidade acaba. Ready or Not exige disciplina e ritmo. É preciso que alguém diga “cobre o ângulo” e que outra pessoa entenda o que isso significa.

Com amigos, a história é outra. O jogo se torna mais lento, mais tático e, paradoxalmente, mais tenso. Cada missão se transforma em uma operação real. Um lidera, outro hesita e, se um erro acontece, você sabe exatamente quem foi o responsável.

O jogo não tem progressão, nem XP ou desbloqueios. Você começa com todas as armas e equipamentos necessários. Isso é ótimo, porque elimina a necessidade de grind. Mas, por outro lado, faltam motivos para continuar jogando a não ser o próprio desafio entre amigos.

O crossplay está lá, mas o cross-save não. Console e PC podem jogar juntos, mas seu progresso fica retido em cada plataforma. Um aperto de mão sem sinceridade.

No fundo, o multiplayer de Ready or Not espelha a vida: se você confiar nos parceiros errados, as consequências podem ser devastadoras. É frustrante, mas traz um certo encanto, principalmente se jogado apenas com amigos.

Vale a pena jogar Ready or Not para consoles?

Depende de quem você é ao abrir a porta. Se você busca um shooter moderno, cheio de medalhas e zonas seguras, definitivamente não. Ready or Not não está aqui para entreter; ele quer te testar.

No console, o jogo cumpre seu papel: tensão, peso, consequências. Os controles podem falhar, a IA pode ser confusa e parte do conteúdo foi suavizada. Se você já jogou no PC, talvez sinta falta de algo. Mas se essa é sua primeira experiência, o que importa, a pressão e a carga emocional, estão ali, pulsando.

Com amigos, ele se transforma em uma máquina de criar histórias tensas. Sozinho, é um curso intensivo de frustração e cautela. Cada missão é uma nova chance para errar, e cada acerto é uma verdadeira conquista.

Ready or Not nos consoles pode ser menor do que poderia ser, mas é maior do que muitos outros do gênero. Um simulador tático visceral e, ainda assim, necessário, agora disponível para quem não tem um PC caro.

Jogar isso no PS5 não fará você se sentir bem, mas fará você sentir algo. E isso, por si só, já é mais do que muitos jogos prometem hoje em dia.

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