Cronos: The New Dawn traz terror entre carne e desespero

Há noites em que a escuridão vai muito além do que vamos sentir quando apagamos as luzes. É como um pesadelo que se instala na nossa mente. Assim me senti ao mergulhar em Cronos: The New Dawn, o novo jogo da polonesa Bloober Team, que ganhou notoriedade ao recriar um clássico como Silent Hill 2 e agora busca forjar sua própria jornada aterradora.

A proposta é clara: é um sucessor espiritual de Dead Space, misturando viagens no tempo a uma humanidade marcada por uma praga devastadora. No entanto, ao explorar esse universo, percebi que a inquietação que senti era mais profunda.

Um palco de mutações grotescas

No papel da Viajante, desperto em uma Polônia dos anos 80, devastada por uma praga conhecida como a Mudança. Imagine um desastre silencioso e irreversível, lembrando Chernobyl. Não há mais multidões; apenas corpos deformados, fusionados, criando uma massa pulsante que se arrasta pelas paredes.

O silêncio é ocasionalmente interrompido pelo miado distante de algum gato, uma cruel lembrança de que os animais parecem ser os únicos que sobrevivem sem se corromper. O objetivo é direto: extrair essências de pessoas antes que sejam engolidas pelo horror, armazenar suas memórias e entregá-las ao Coletivo.

Cada essência recolhida traz mais peso ao traje. Vozes ecoam dentro do capacete, algumas soando como últimas confissões, outras como lâminas arranhando metal. O visor embaça e as mãos tremem como se a protagonista nunca estivesse realmente sozinha.

E o traje se torna um personagem em si: a cada essência, não só o peso aumenta, mas a percepção da realidade se distorce e as vozes dentro dele se intensificam.

Ecos partidos da narrativa

A primeira hora de Cronos: The New Dawn é uma armadilha cativante. Como Viajante, sou enviado pelo Coletivo para resgatar memórias antes da derrocada da humanidade. É uma missão quase messiânica: desvendar a origem da Mudança, essa praga que transformou a humanidade em carne viva.

No entanto, esse épico sombrio rapidamente se dissolve em murmúrios. A Viajante, que poderia ser uma marca memorável, fala como se cada palavra fosse derivada de um sintetizador enferrujado. Seu diálogo é metálico e desprovido de emoção, resultando em uma sensação de desconexão com a tragédia do cenário.

Os coadjuvantes também não ajudam: um companheiro de jornada repete falas sem vida, enquanto outros personagens humanos do passado reagem de forma teatral e forçada. O resultado é um vazio narrativo que grita, mas todos sussurram sem vigor.

Ainda assim, algumas escolhas estruturais se destacam. A imposição cruel de carregar apenas três essências força o jogador a decidir quem vale a pena salvar, apesar de “salvar” significar transformar memórias em combustível para seguir adiante. Essa mecânica gera pequenas bifurcações na narrativa, mas que não se expandem como poderiam.

O labirinto da Mudança

Explorar esse mundo não é apenas caminhar por corredores infinitos, mas atravessar vísceras petrificadas. Tal como em Silent Hill, cada estação de trem ou hospital parece ter sido engolido pela praga, retornando como uma cicatriz.

A Mudança não apenas devastou a Polônia, mas transformou as ruas em órgãos fossilizados. As rotas são labirínticas e traiçoeiras: uma porta escancarada pode levar a um beco sem saída, enquanto uma fresta pode revelar munição ou um inimigo adormecido. Aqui, nada vem de graça. Até os raros gatos, que aparecem como coletáveis, são mais preságios do que alívio.

O design dos níveis é um cúmplice exigente: requer memorização, cobra atenção e recompensa a paranoia. Cada passo em busca de segredos é uma luta constante com o cenário.

O peso de cada escolha

Progredir na história implica abrir mão. O inventário começa minúsculo, e avançar sempre significa deixar algo para trás. Cada decisão traz a sensação de amputar possibilidades. Os núcleos, que aparecem como raridades, adicionam espaço, mas cada um cria um dilema: aumentar a vida ou a potência das ferramentas.

A energia é extraída de objetos simples, como rádios quebrados, lembretes de um mundo deteriorado que agora alimenta upgrades. O peso das essências eleva a tensão: a Viajante só pode carregar três, transformando cada encontro numa roleta emocional. Descartar a essência de alguém para abrir espaço para outra habilidade é uma escolha difícil, mas necessária.

Cada arma também segue essa lógica. Sete opções garantem opções de combate, mas investir em muitas significa enfraquecer todas. O jogo força o jogador a se comprometer com poucas, criando um vínculo quase íntimo com as melhores.

Sob tensão constante

Em Cronos: The New Dawn, o combate é sinônimo de sobrevivência. A pistola inicial não é um presente, mas uma maldição. Disparar se torna uma questão de estratégia: um tiro arriscado expõe o jogador, enquanto disparos fracos mal atrasam o ataque inimigo. Com um inventário escasso, a tensão aumenta: cada objeto precisa ser cuidadosamente considerado.

Quando um corpo cai, é só uma pausa antes do retorno. Se não for queimado, os Órfãos, infectados pela Mudança, se reerguem em formas ainda mais ameaçadoras. Por isso, cada combate não traz alívio, apenas um breve empréstimo de tempo.

Entre carne e concreto

O game se destaca pela direção de arte que mistura brutalismo soviético com a visceralidade do horror biológico. Os corredores remetem a um hospital em ruínas. Tudo é cinza, vermelho e úmido, reforçando a sensação de um pesadelo interminável.

Os mapas são semiabertos, intricados e se dobras sobre si mesmos, criando rotas que só se revelam após muita dor. A ausência de mapa força o jogador a memorizar cada espaço, uma tarefa cruel que pode custar a vida.

As criaturas são projetadas para provocar desconforto. Os Órfãos se assemelham a esculturas derretidas, com membros tortos. Embora a variedade de inimigos não seja ampla, o grotesco é constante e eficaz.

O horror além da tela

Contudo, o jogo apresenta tropeços técnicos que podem interferir na imersão. Quedas de framerate e texturas que demoram para carregar podem quebrar a tensão. Os chefes, que deveriam ser momentos de ápice, se tornam repetitivos.

Gerenciar o inventário, uma ideia promissora, em alguns momentos se transforma em um fardo. Os slots limitados criam tensão, mas uma interface pouco prática torna cada reorganização uma batalha burocrática. Isso gera mais frustração do que diversão.

O resultado é um contraste claro: um mundo sólido que, vez ou outra, implode sob seu próprio peso.

Vale a pena jogar Cronos: The New Dawn?

Cronos: The New Dawn não é o novo amanhecer do survival horror, como seu subtítulo sugere. É mais um pesadelo que se estende entre carne e concreto, oscilando entre momentos memoráveis e tropeços evidentes.

Os elementos que funcionam são potentes: a atmosfera sufocante, o sistema de progressão que transforma decisões em cicatrizes, e o combate desafiador. Porém, os problemas também são gritantes, como a história confusa e os personagens sem carisma.

A experiência pode ser tortuosa, mas para os fãs de títulos como Dead Space, oferece momentos tensos e memoráveis. A jogatina leva cerca de 14 a 18 horas para ser concluída, mas ainda incentiva a repetição com múltiplos finais e modos que estendem essa jornada.

Porém, é preciso mencionar que, até agora, é o melhor jogo de terror do ano. Entretanto, sua coroa pesa menos do que parece, pois 2025 ainda não trouxe concorrentes à altura.

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