Jogos e violência: o que pesquisadores afirmam sobre o tema

O recente crime no Rio de Janeiro, em que um jovem com a ajuda da namorada assassinou os próprios pais, trouxe à tona uma discussão antiga: jogos podem influenciar comportamentos violentos? Este tema não é novo, mas sempre ganha destaque quando casos desse tipo ocorrem. E embora muitos mencionem a relação entre um jogo específico e um ato violento, poucas pessoas aprofundam-se no debate acadêmico sobre o assunto.
Os jogos digitais costumam gerar polêmica. Desde cenas impactantes em títulos como Modern Warfare 2, que apresenta uma fase polêmica em um aeroporto, até jogos como Spec Ops: The Line, que explora o trauma da guerra. Sem esquecer de Bully, que está sempre no foco das críticas, ou do criador de Mortal Kombat 11, diagnosticado com estresse pós-traumático.
O que dizem cientistas e pesquisadores?
Primeiro, precisamos entender que a definição de "jogo" pode variar bastante. Poderíamos começar com Rules of Play, de Katie Salen e Eric Zimmerman, um livro denso e recheado de reflexões. Se busca uma abordagem mais psicossocial, Os Jogos da Vida, de Eric Berne, pode ser interessante. E quem não conhece o clássico Homo Ludens, de Huizinga?
Os estudiosos geralmente concordam que os jogos são uma forma de mídia ativa. Isso significa que, ao jogar, o participante não só se diverte, mas também aprende algo novo. E essa dinâmica vale tanto para gatos brincando de caçar quanto para jogadores que exploram conceitos de física em Satisfactory.
Ainda que as simulações não sejam perfeitas, elas oferecem um ambiente seguro e econômico para aprendizado. Além disso, a diversão que vem junto com o aprendizado é essencial.
Aprendizado e diversão
Uma das principais constatações é que jogos podem ensinar. Essa é uma das razões pelas quais se fala em "gamificação". Como Raph Koster aponta em Theory of Fun for Game Design, jogos ensinam enquanto entretêm.
A essência do que torna um jogo interessante é o aprendizado que ele proporciona. Quando o jogador se sente satisfeito com o que aprendeu, é bem provável que perca o interesse no jogo. Em outras palavras, uma vez que o jogador atinge um nível de “domínio”, a diversão pode escorregar para o tédio. Essa mecânica é o que mantém os jogadores envolvidos em títulos desafiadores como Dark Souls.
Entretanto, "aprender" não significa apenas absorver a narrativa, especialmente em jogos de RPG, onde spoilers podem estragar a experiência. Quando o jogador se concentra na história, a experiência parece mais próxima à de um livro ou filme do que de um jogo. Isso levanta a questão de como o jogador vivencia o jogo como tal.
O problema de “jogo”
Agora, vamos ao cerne da questão. A conceituação de "jogos" inclui os digitais, que são apenas um tipo dentro de um universo mais amplo. Muitas das perguntas que fazemos sobre jogos digitais são válidas para outros tipos de jogos, inclusive.
Nos anos 2000, por exemplo, RPGs eram frequentemente associados a cultos e assustavam muitos pais, enquanto jogos de futebol eram sinônimo de violência entre torcidas. O fundamental é que o agenciamento do jogador é crítico. Quando não há decisões morais a serem feitas, a avaliação moral do jogo torna-se difícil. Por isso, títulos point and click podem ser vistos como mais morais do que jogos de tiro em primeira pessoa.
Jogos Digitais e violência
Resumindo até agora:
- Jogos têm potencial para ensinar.
- Eles ensinam ao mesmo tempo em que entretêm.
- Jogos digitais também podem ser uma fonte de aprendizado.
Entretanto, isso não significa que todos os jogadores aprenderão da mesma forma ou absorverão os mesmos conteúdos. Cada jogador tem um nível diferente de motivação e aprendizado. Por exemplo, um jogador de GTA pode não se tornar um ladrão só porque manuseia um jogo que gira em torno desse universo.
A realidade é que enquanto alguns jogadores se aventuram em jogos de estratégia dominando mecânicas, outros podem apenas apreciar a narrativa. Assim, a pergunta se "jogos digitais podem ensinar ou incentivar crimes?" pode ser respondida com um "sim", mas com ressalvas. O papel ativo do jogador é essencial nessa equação.
Escapismo
O quanto um jogo pode influenciar comportamentos criminosos também depende da identificação do jogador. Sem uma identificação clara, o interesse pelo jogo diminui. Por exemplo, alguém pode decidir invadir uma delegacia virtual em GTA apenas pela adrenalina e não porque pretende imitar esse comportamento na vida real.
Em jogos que envolvem moralidade, como Fable ou Red Dead Redemption, a experiência pode ser mais sobre experimentar os limites do que sobre aplicar esses atos na vida real. Esse teste de limites é uma maneira de entender como o sistema moral no jogo funciona, o que é mais sobre aprendizado do que convite ao crime.
Fatores de reforço
É importante levar em conta que algumas práticas acabam funcionando como fatores de reforço. Jogos que podem incitar crimes geralmente reforçam comportamentos que já existem. Cada jogador traz suas experiências e predisposições para o ambiente do jogo.
Por exemplo, caso alguém já tenha inclinações criminosas, é possível que esse jogador busque outros meios para satisfazer esses impulsos, independentemente de jogos. No caso mencionado no início, a influência da namorada do jovem foi um claro fator de reforço na tragédia.
De uma perspectiva científica, mesmo que um jogo possa ter um papel em certas condutas, não se pode atribuir a ele toda a culpa. Pesquisas não encontraram evidências decisivas para validar esse tipo de alegação de modo geral.
Uma nota positiva
Vale frisar que os mesmos elementos que podem causar efeitos negativos também têm potencial para influenciar positivamente. A responsabilidade recai sobre o jogador e sua interpretação do que joga.
É como na piada sobre UNO, que pode causar brigas entre amigos. Mas pensemos também em títulos que provocam reflexões profundas, como This War of Mine ou That Dragon, Cancer. Essas histórias não se resumem a serem apenas livros ou filmes; seu impacto emocional só é real porque o jogador vivencia a narrativa ativamente.
Um dos exemplos mais marcantes é Final Fantasy VII, cuja dinâmica e laços emocionais são intensificados durante a experiência do jogo. O mesmo se aplica a To The Moon, onde a narrativa é tão envolvente que os jogadores não conseguem ser indiferentes ao desfecho.
Nem sempre gráficos de ponta garantem uma boa experiência de jogo. Muitas vezes, jogos independentes conseguem transmitir mais emoção e envolvimento do que grandes produções. Alguns jogos podem se apresentar como bons filmes, mas falham em oferecer uma interatividade satisfatória.
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